As evidências financeiras demonstram a
força econômica do segmento evangélico. Candidatos à cargo legislativo
não deixam de acenar para as igrejas evangélicas. Os meios de
comunicação, atrelados à grandes gravadoras, promovem artistas cristãos.
As universidades se debruçam sobre esse tema. Então, mesmo sem estar à
altura de ser convidado a responder publicamente essa questão, nem à
convite do meio secular nem do meio evangélico, vou sugerir algumas
respostas e explicações.
A explicação estatística:
o fenômeno do crescimento evangélico não é uma dádiva de toda
denominação cristã. O número de católicos se reduz a cada censo e os
protestantes têm crescimento moderado. As igrejas do pentecostalismo
histórico, como a Assembleia de Deus, também não crescem em ritmo
espantoso. A explosão demográfica ocorre no ramo neopentecostal (das
igrejas Universal, da Graça de Deus, do Poder de Deus, Renascer, Sara
Nossa Terra e muitas outras cujo nome começa com Comunidade Evangélica
acrescido do bairro onde se localiza). Maior número de fiéis implica
maior número de consumidores. Mas não existe aumento de consumo sem
aumento da riqueza do país. Precisamos de mais justificativas.
A explicação econômica:
Essa expansão religiosa começou principalmente em regiões urbanas com
maior índice de pobreza e com menor escolaridade. Daí a argumentação de
que estas igrejas exploram a necessidade de conforto espiritual e
material ao prometerem bênçãos assim na terra como no céu. O fiel não
precisa esperar para ter uma carruagem no céu. Ele já pode ter seu
carrinho aqui e agora. A teologia da prosperidade encontrou um terreno
fértil na teoria econômica da prosperidade do governo Lula. O sucesso de
um gigantesco plano de transferência de renda, como o Bolsa-Família,
possibilitou a entrada de milhões de pessoas no mercado de consumo e a
saída de outros milhões da miséria total. Mesmo longe do crescimento
chinês, a economia brasileira cresceu o suficiente para animar o
circuito do mercado: aumento de consumo – aumento de produção – aumento
de empregos e mais consumo etc. No campo evangélico, surgiu um grande
nicho consumidor de produtos de moda e música. Aumentou-se a produção
musical, gerou-se mais renda e emprego na indústria de linha gospel, o
que levou à organização de um evento comercial de grande porte como a
ExpoCristã. Mas há velhos e novos ricos nessas igrejas; só a economia
não explica tudo.
A explicação sociológica:
desde sua inserção no Brasil, o protestantismo e o pentecostalismo
afastaram-se da cultura musical popular brasileira. Os primeiros
conversos eram de origem europeia e também não compartilhavam o gosto
pela música tupiniquim. Depois os hinos passaram a ser cantados em
português, mas eram, em sua maioria, versões de hinos norte-americanos e
europeus. Era uma época em que o país era oficialmente católico e
qualquer outra religião era vista com suspeita e preconceito. Junte-se a
isso o sectarismo religioso e o elitismo musical e temos uma igreja
cunhada em forte repressão a comportamentos individuais e objetos
culturais (penteados, vestuário, música popular, futebol, filmes).
Desde o final do século 20, há maior
espaço na sociedade para o exercício da individualidade e da identidade
cultural local. Os jovens reúnem-se em torno de gostos e idiossincrasias
comuns, gerando as tribos urbanas dos surfistas, dos metaleiros, dos
skatistas etc. A cultura tornou-se um bem de consumo e o marketing uma
ferramenta indispensável. Tudo isso repercutiu no campo religioso.
Inclusive a crise de liderança hierárquica e institucional, o que, no
campo denominacional, gerou uma infinidade de novas igrejas. Os novos
comportamentos sociais fizeram com que as igrejas remodelassem seus
métodos de evangelismo. A opção por mudar a forma sem alterar o conteúdo
pode ter efeitos discutíveis, mas aproximou a mensagem cristã central
de salvação dos marginalizados social e culturalmente. A música, formato
de atração preferencial, conservou a mensagem central evangélica na
letra e abriu-se para os antigos e novos gêneros musicais populares.
A explicação estética-cultural:
se as pessoas se sentem mais livres para expressar sua fé segundo a
cultura musical que entendem e apreciam, de nada mais adianta um pastor
dizer que “Deus não gosta dessa música”. Até porque um irmão mais atento
vai perceber que não há uma só linha na Bíblia indicando qual o estilo
musical da preferência divina [Deus pode ter suas preocupações
estilísticas, mas a Bíblia ressalta mais Seu descontentamento com o
coração hipócrita do adorador]. Durante décadas, a música foi
administrada na igreja por pessoas que tinham formação musical
clássica/erudita, o que teria determinado o modelo das composições
litúrgicas. Sem nenhum apoio escriturístico, eles associaram a música
clássica ao bom gosto e, como o culto evangélico era tradicionalmente
formal e solene, certo modelo musical se tornou “o gosto de Deus”.
A sociedade atual, uma vigilante da
liberdade individual, fez triunfar a democratização musical. Não só os
formados em conservatórios podiam compor música cristã, mas o sacerdócio
musical passou a ser de todos os crentes. Logo, a linguagem e a forma
seriam diversificadas. As pessoas não precisavam mais louvar a Deus com a
música “importada”, de letras enciclopédicas e de estilo parnasiano.
Nem ter voz formalmente educada. A contextualização da linguagem vista
em livros e revistas (como a maneira apropriada de falar para faixas
etárias diferentes) passou a ser ouvida e cantada. Além disso, por muito
tempo se teve vergonha de ser brasileiro e a cultura popular era
demonizada. Os novos evangélicos têm orgulho da cultura nacional e usam a
cultura brasileira para celebrar sua conversão, sua nova vida e seu
Deus. Há mais gêneros musicais sendo tocados, mais pessoas que esperam
ouvi-los e mais empresários querendo abocanhar essa fatia do mercado.
Ainda nesta semana, a segunda parte desse arrazoado, composto de explicações mercadológicas, midiáticas e teológicas.
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Joêzer Mendonça é músico e doutorando em musicologia na Unesp. É autor do blog Nota na Pauta. Divulgação: Púlpito Cristão.
Joêzer Mendonça é músico e doutorando em musicologia na Unesp. É autor do blog Nota na Pauta. Divulgação: Púlpito Cristão.
muito bom, parabens pelo artigo...
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