Curundu
é a jabuticaba dos projetos da Odebrecht no Panamá – pequena e exótica.
Em um universo de grandes contratos, que somam mais de US$ 2 bilhões
(US$ 4 bilhões), está entre os menores: US$ 100 milhões. Não oferece
desafios técnicos em engenharia. As obras que o compõe são pouco mais de
um milhar de apartamentos de 48 metros quadrados, o revestimento da
calha de um pequeno rio, ruas e quadras esportivas. Nada perto da
construção de 14 quilômetros de linhas de metrô, da travessia
subterrânea da cidade com tubos de três metros de diâmetro ou da
implantação de uma estação de tratamento de esgoto para atender a 500
mil habitantes, três das mais importantes concorrências vencidas pela
construtora no país. Talvez mais incomum que isso: a rentabilidade é
pequena. Curundu não dá prejuízo, diz Lopes, responsável pela gestão do
contrato. Mas o lucro é baixo.
Em
termos institucionais e políticos, porém, o retorno é imenso. O
processo de integração social que corre em paralelo às obras tem ganhado
destaque na mídia. A contratação de moradores para a reurbanização de
Curundu ajudou a elevar a renda média das famílias que viviam na
comunidade de US$ 293 dólares mensais para cerca de US$ 480, segundo
senso realizado antes e depois do início das obras. O salário médio pago
a um ajudante de pedreiro, por exemplo, é de US$ 540, em um país onde o
salário mínimo gira ao redor dos US$ 350 por mês. O nível de desemprego
no bairro, que beirava os 70%, despencou. Em muitos casos, pessoas
antes estigmatizadas conseguiram empregos fora de lá.
Lopes
conta que, só no ano passado, a imprensa local dedicou mais de 120
notícias positivas ao processo de transformação de Curundu. O
ex-presidente Lula visitou as obras, em maio de 2010. Oito dias antes, o
projeto recebera o presidente panamenho Ricardo Martinelli, que tenta
convencer o congresso a aprovar lei que permita a reeleição. Idealizado
pelo vice-presidente, Juan Carlos Varela Rodríguez, hoje adversário
político de Martinelli, o projeto acabou abraçado também por lideranças
políticas de Curundu, que desde o início do governo integram a oposição.
O
bairro, antes visto como uma chaga em uma das regiões centrais da
capital panamenha, próxima à fronteira da antiga Zona do Canal do
Panamá, de um dos aeroportos da cidade, do centro financeiro e de
bairros nobres, se tornou um símbolo de reintegração social, em um país
marcado por desigualdade de renda quase tão alta quanto a do Brasil.
“Você
precisa ajudar o governo também. Não ficar querendo só comer o filé
mignon. Vem comer a costela aqui comigo”, diz Lopes, quando questionado
sobre as motivações não humanitárias da Odebrecht em um projeto de baixa
rentabilidade como Curundu. “É aí que a gente faz a diferença. Porque
outras empresas grandes que estão aqui não vieram participar da
licitação. Viram a dificuldade de lidar com o social e pularam fora. Mas
a repercussão positiva do que é feito aqui ofusca qualquer problema que
surja em outros projetos nossos”, afirma o engenheiro.
Pragmatismo
Por
ser um projeto do governo, imposto a comunidade, Lopes diz que, desde o
início a obra foi vista com desconfiança pelos moradores e exigiu
soluções não convencionais. Uma delas foi justamente a contratação de
mão de obra local não qualificada. Para que a medida não afetasse a
produtividade, a construtora optou pelo uso de um sistema de formas
pré-moldadas, mais caro inicialmente, segundo Lopes, mas mais efetivo.
Outra
solução foi a negociação de contrapartidas com as doze gangues de
Curundu, para evitar conflitos nas obras. Um dos encontros que Lopes diz
que mais o marcaram aconteceu no hotel Sheraton da cidade. A reunião
terminou com um pacto de não agressão assinado em uma bíblia.
Entre
os capatazes das obras, muitos são pastores de igreja ou ex-líderes de
gangues, que receberam treinamento técnico. É o inverso do processo
tradicional da empresa, de transformar técnicos em lideranças.
As
dificuldades inerentes ao que Lopes chama de “engenharia social e de
comunicação” tem garantido à empresa também a oportunidade de formar mão
de obra para atuação em situações sociais adversas. Só em Curundu, está
treinando uma equipe de 20 jovens engenheiros.
Mercado promissor
É
um contingente que tende a ser útil no Panamá, um país pobre, mas que
cresceu acima de 10% em 2011 e tende continuar a se expandir. Mesmo com a
crise internacional, as estimativas são de alta por volta dos 6%, neste
e no próximo ano, por causa de grandes obras, como a duplicação do Canal do Panamá,
programada para ser concluída em 2014; da movimentação portuária (dois
dos três maiores portos da América Latina em movimento de cargas, Colon e
Balboa, ficam no país); de investimentos em infraestrutura e do
comércio. “Aqui é a Miami de quem não tem visto de entrada nos Estados Unidos”, afirma Paulo Levita, diretor de sustentabilidade, comunicação e imagem da Odebrecht no Panamá.
O
país está longe de ser um dos maiores mercados internacionais para a
Odebrecht. Mas segundo o executivo, tem potencial para continuar a
render bons contratos. Ainda neste ano, por exemplo, podem sair a
licitação para a duplicação do terminal de passageiros do aeroporto
internacional de Tocumen e do segundo módulo das estações de tratamento
de esgoto – o primeiro, em construção, vai atender somente a metade da
demanda, de mais de um milhão de pessoas.
Há
ainda uma série de projetos de obras viárias, para organizar o caótico
sistema de transporte da cidade. “O governo tem a intenção de fazer
cinco linhas”, afirma Marcos Tepedino, diretor da Odebrecht responsável
pelo contrato da linha 1 metrô panamenho, entregue à Odebrecht.
O futuro de Curundu parece mais incerto. Dependerá em breve, entre
outras coisas, de como o governo federal continuará os esforços de
integração social e da pressão de gangues externas pela área de Curundu,
hoje fortemente policiada. Segundo Lopes, a participação da construtora
se encerrará em breve. A expectativa é entregar as obras até o final
deste ano, um pouco antes do prazo limite, que vence em abril de 2013.
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