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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Terá sido Jonas realmente engolido por um grande peixe?

Sem dúvida, essa é a passagem mais famosa do Livro, e talvez do Antigo Testamento, muitas foram as explicações propostas para o tema: terá sido Jonas realmente engolido por um grande peixe?

Um grupo vasto de estudiosos afirmam que sim, e a primeira coisa que se procura fazer é encontrar um animal suficientemente grande capaz de engolir uma pessoa inteira. Como os povos daquela época não sabiam distinguir entre peixes e baleias (que são mamíferos), acredita-se que o termo era utilizado para descrever qualquer um dos dois. Dessa forma, os candidatos ao “grande peixe” da narrativa seriam:
Fig O1. Tubarão-Frade: 
note o tamanho de sua boca em relação ao mergulhador

a) As baleias cachalotes. “Os cachalotes e os esqualos capazes de engolir um homem não são desconhecidos no Mediterrâneo oriental, mas esse episódio, quer claramente ser interpretado como milagre”(01).

b) O grande tubarão branco. Alegou-se que, em 1939, um peixe dessa espécie foi encontrado contendo em seu estômago dois tubarões inteiros, cada qual com dois metros de comprimento – tamanho aproximado de um homem(02).

c) O tubarão-frade(03). O tubarão-elefante, tubarão-frade ou tubarão-peregrino (Cetorhinus maximus) é o segundo maior peixe existente no mundo, depois do tubarão-baleia, atinge 10 metros de comprimento. A sua dieta é composta por plâncton, filhotes e ovos de peixes e podem armazenar comida(04).

c) O tubarão-baleia. O Rhinodon tipicus, ou “tubarão osso”, “tubarão do Indo-Pacífico” ou “tubarão baleia”, para alguns, seria a espécie mais adequada, visto que não tem dentes, alimenta-se como as baleias, coando a água através das “lâminas” da boca(05).

Inclui-se também um quinto grupo, ao qual poderíamos chamar de atitude criptozoológica(06), que defende três possibilidades:

• O grande peixe seria um animal especialmente preparado por Deus para aquela ocasião específica e que não existe mais(07).
• O animal descrito seria uma espécie de “serpente marinha” ou mesmo animal pré-histórico, descrito em várias experiências de pescadores e marinheiros(08).
• Ou seria um animal que ainda não foi encontrado pelos cientistas(09).
Fig. 02 - Serpente marinha em ilustração 
da História dos Povos do Norte, de Olaus Magnus.

O grupo partidário da historicidade do relato como realmente acontecido, procura divulgar histórias recentes de eventos parecidos. Citemos alguns desses relatos:

a) O “Cleveland Plain Dealer” publicou um artigo que citava a narração do Dr. Rasone Harwey a respeito do desaparecimento do cão de uma baleeira em pleno mar. Seis dias depois, encontraram-no vivo dentro da cabeça de uma baleia, e verificaram que não apresentava qualquer consequência apreciável ocasionada pela viagem incomum. A citação do “Cleveland Plain Dealer” Foi, novamente reproduzida pelo “Sunday School Times”, por volta dos anos 50 (10).

b) Existem relatos de tubarões brancos que engoliram sem dificuldades peixes-bois inteiros ou cavalos de guerra, caídos ao mar(11).

c) Nas ilhas do Havaí, os pescadores encontraram um esqueleto perfeito, de seis pés. Pertenceu a um homem de seus pés de altura e foi identificado como sendo de um soldado que desaparecera trinta dias antes. Não restava do corpo senão o esqueleto, mas este se achava intacto, o que prova que o Rhinodon pode engolir um homem sem danificar sua estrutura(12).

d) Um marinheiro inglês foi engolido por um Rhinodon no Canal Inglês. Procurando arpoar o tubarão, o marinheiro caiu no mar e foi engolido por ele. Os companheiros que viram o fato procuraram matar o tubarão. Uma frota de pescadores se movimentou para caçar o monstro. Quarenta e oito horas depois que o homem foi engolido conseguiram matar o tubarão. Rebocaram-no logo para a praia e o abriram para dar sepultura ao corpo do companheiro. Quando abriram, acharam o homem inconsciente, porém vivo. Levaram imediatamente para um hospital, onde poucas horas depois, passado o estado de choque, o homem se sentia bem de saúde. O homem foi exibido no Museu de Londres ao preço de um shilling a entrada, sob o anúncio de “O Jonas do Século XX”. O homem se sentia bem de saúde, mas tinha o corpo destituído de pêlos e havia umas manchas amarelo-castanhas sobre a pele(13).

e) O caso de James Bartley, marujo que trabalhava a bordo do baleeiro Estrela do Leste, é uma resposta convincente aos que ainda duvidam do texto bíblico relativo a Jonas?! De acordo com os registros do Almirantado britânico, em fevereiro de 1891, Bartley deixou o navio, juntamente com outros membros da tripulação, e tomou a chalupa durante uma caça à baleia. O mar estava encapelado. O arpoador fez um disparo, a baleia mergulhou e, de repente, voltou à superfície sob a chalupa, despedaçando-a e espalhando os tripulantes. Todos os marujos foram resgatados, menos Bartley. A baleia morreu e seu corpo foi secionado. Ao abrir a barriga do animal, apareceram um pé e uma perna. Bartley foi retirado do estômago da baleia, vivo ainda, mas inconsciente. "De repente os marinheiros se assustaram devido aos espasmos que davam o estômago do animal. Havia algo que dava sinais de vida. No interior se encontrou inconsciente o marinheiro James Bartley. Foi colocado em uma coberta e tratado com banhos de água do mar até que despertou..." Ele recobrou a consciência, porém ficou sem poder falar por várias semanas. Lembrava-se de poucas coisas além da abertura de mandíbulas enormes e de ter escorregado para dentro de um tubo comprido em direção ao estômago da baleia, onde permaneceu por quinze horas, conforme atesta declaração assinada pelo médico de bordo e por todos os outros tripulantes. A declaração de Bartley após sua recuperação foram surpreendentes. "Me pareceu que a baleia me tragava [...] Me rodeava um muro de carne [...] Me encontrei em um saco muito maior que meu corpo,estava completamente as escuras. Apalpei em volta e toquei diversos peixes. Alguns pareciam estar vivos pois escapuliam por entre meus dedos [...] Senti uma forte dor de cabeça e minha respiração se havia tornado muito difícil. Ao mesmo tempo sentia um calor que me consumia. Um calor que ia aumentando. Em todo momento eu estive convencido que ia morrer no estômago da baleia. O tormento era irresistível e o silêncio ali era absoluto. Tentei virar-me, mover os braços, as pernas, gritar. Mas era impossível, minhas idéias estavam perfeitamente claras e a compreensão de minha situação era plena. Por fim, graças a Deus, perdi a consciência". A visão de Bartley ficou afetada por essa experiência e sua pele perdeu a cor normal. Passou o resto de seus dias em terra, e morreu com a idade de 39 anos(14).

f) “No jornal Vale dos Sinos, de 13 de maio de 1991, lê-se a seguinte manchete: “peixe salva menino em Bangladesh”. A notícia continua: Daca – um peixe salvou a vida de um menino, lançado ao mar durante o ciclone que atingiu Bangladesh no dia 30 de abril, assegurou um membro do governo do país. Habitantes da aldeia de Cox’s Bazar, no sudoeste de Bagladesh, retiraram o menino da boca de um enorme peixe, indicou o vice-ministro de Pesca e Pecuária. Abdullá AL-Noman, em coletiva à imprensa concedida em Chittagong. Noman disse que o menino foi lançado ao mar a vários quilômetros da aldeia de Chakoria, onde foi resgatado. Segundo o vice-ministro, os pés do menino estavam firmemente agarrados pela boca do peixe quando foi localizado pelos aldeões. O menino foi medicado e apresenta lesões nas pernas, certamente causadas pelo peixe. O jornal Ittefaq, desta capital, que noticiou o caso, não forneceu maiores informações sobre a criança ou sobre o peixe”(15).

O que esses relatos provam em relação a Jonas? Talvez, no máximo, que “na origem estivessem experiências reais de salvamento de náufragos ou de pessoas em tempestades em alto-mar. No processo de transmissão oral, estas sagas ganhavam, então, caráter cada vez mais miraculoso”(16).

Outro argumento que pretende ser comprobatório é a alegação de que Jesus se utilizou da passagem de Jonas e do grande peixe para se referir a sua ressurreição. Sendo assim, se o profeta veterotestamentário não esteve, realmente, dentro do ventre da “baleia” por três dias e depois fora regurgitado, isso invalidaria o discurso de Cristo e o evento da própria ressurreição. Entretanto, entre os biblistas, há aqueles que rebatem essa tese dizendo que “estas referências visam ao livro de Jonas: os ninivitas, como aqui se descrevem, são um exemplo; e Jonas, como aí é descrito, é um tipo – não se segue que eles ou ele sejam históricos. O argumento é estritamente escriturístico; atém-se ao Jonas bíblico”(17).

De modo algum a explicação fundamentalista é a única possível. Explicações de cunho mais racionalistas dizem que o episódio foi apenas um sonho de Jonas enquanto dormia na embarcação (Jn 1,5) outros sugerem que o profeta fora lançado ao mar e recolhido por uma embarcação que tinha uma cabeça de peixe ou se refugiou no corpo morto de um animal até a tempestade passar(18). De fato, os argumentos contrários ao episódio de Jonas e a baleia seguem várias linhas: no campo da zoologia, da tradução dos textos bíblicos, da antropologia e história das religiões, da psicologia e da psicanálise, e da própria teologia.

1) Argumentos com base na Zoologia

Diz-se que qualquer baleia existente ou peixe seria incapaz de repetir a façanha descrita no Livro de Jonas, quer devido ao tamanho da boca, da garganta apertada, ou porque contradiz os hábitos alimentares destes animais. Além do que, A maior espécie de baleia conhecida comem plâncton e se engasgam facilmente quando tentam engolir pequenos peixes. As cachalotes, por outro lado, tem boca pequena, por isso, seu alimento é feito em pedaços antes de serem ingeridos. Quanto ao tubarão-baleia, tem boca grande, cavernosa, mas sua garganta tem apenas quatro centímetros e largura e tem uma curva acentuada: o esôfago não permitiria a passagem do braço de um homem(19).

2) Argumentos com base na tradução do texto

O texto bíblico original, em hebraico, lê-se, em Jn 2,1: dag gadol, que literalmente, significa apenas “peixe grande” (sem menção da espécie). Na Septuaginta, traduz essa expressão para o grego: mega ketos, que, na mitologia grega, é uma expressão associada aos “monstros marinhos”. São Jerônimo, ao traduzir o Antigo Testamento para o latim, usou: granda piscis (“peixe grande”), mas ao traduzir a passagem que Jesus faz referência a Jonas (Mt 12,40), usou cetus, que se refere mais estritamente à baleia. Daí para frente, a partir de um equívoco, prevaleceu a idéia de que o animal que engolira o profeta foi uma baleia(20). Das traduções que analisamos, em português apenas as Bíblias CNBB, ARC e BEP reproduziram esse erro de tradução (A Bíblia do Peregrino, traduz como “monstro marinho” a passagem de Mateus).
Fig.03 - Jonas expelido pela Baleia,
desenho de Gustave Dürer

“Um detalhe zoológico: no versículo 1 o peixe é masculino, no final do versículo 2 trata-se de uma fêmea”(21), indicando tratar-se ou de uma acréscimo posterior ou, quem sabe, de uma leitura mais simbólica da passagem, como veremos nos tópicos 4 e 5.

3) Argumentos baseados nas religiões comparadas

São conhecidos vários mitos da antigüidade parecidos com a história de Jonas: o herói devorado por um animal.

a) O renomado mitólogo Joseph Campbell menciona as aventuras do chefe dos iroquês Hiawatha (séc. XVI): Mishe-Nahma, Rei dos Peixes,/Em sua ira emergiu,/Brilhando, saltou à luz do sol,/ Abriu a grande boca e engoliu/ a canoa e Hiawatha(22).

b) O herói irlandês, Finn MacCool, foi engolido por um monstro de forma indefinida, do tipo conhecido no mundo céltico por peist. A pequena garota alemã, Chapeuzinho Vermelho, foi engolida por um lobo(23)... e todo o panteão grego, exceção feita a Zeus, foi engolido pelo seu pai, Crono(24).

c) O herói grego Héracles, fazendo uma pausa em Tróia, no seu caminho para casa, portando o cinturão da rainha das amazonas, soube que a cidade estava sendo assolada por um monstro que fora enviado contra ela pelo deus do mar, Poisêidon. A fera vinha à tona e devorava as pessoas que passavam pela praia. A bela Hesíone, filha do rei, acabara de ser presa pelo pai às rochas marítimas, como sacrifício propiciatório e o grande herói visitante concordou em salvá-la em troca de uma recompensa. O monstro, num certo momento, apareceu, na superfície da água e abriu a bocarra. Héracles mergulhou por sua garganta, e arrebentou-lhe a barriga e o deixou morto(25).

Assim como Héracles, Jonas voluntariamente se lança rumo ao perigo, porém, observemos que o herói grego “arrebenta” a barriga do monstro, força, o seu renascimento, enquanto o profeta hebreu é “vomitado” (Jn 2,11), expelido, forçado a sair da zona de conforto.
Fig. 04 - Heracle Delirering Hesione.
Do pintor francês François Le Moyne (1688-1737)

d) Fala-se da semelhança existente entre o profeta Jonas e o herói grego Jasão: identifica-se um conjunto de temas comuns na história dos dois personagens, incluindo os nomes são bem parecidos (derivam e “pomba”), a idéia de "fuga", o vento, e causando uma tempestade, a atitude dos marinheiros, a presença de um monstro marinho ou dragão ameaça o herói e o engole(26).

Podemos fazer aqui a mesma observação que fizemos em relação a Héracles.

4) Argumentos de ordem semiótica

Semiótica é a ciência da linguagem que estuda todos os fenômenos culturais com relação à formação dos sistemas simbólicos. Para os estudiosos da área, “o simbolismo da baleia está ligado ao mesmo tempo ao da entrada na caverna e ao do peixe. Na Índia, o deus Vixenu metamorfoseando em peixe quem guia a arca sobre as águas do dilúvio. No mito de Jonas, a própria baleia é a arca: a entrada de Jonas dentro da baleia é a entrada no período de obscuridade, intermediário entre dois estado ou duas modalidades de existência”(27). O estudioso dos mitos Joseph Campbel, interpreta do mesmo jeito: “alegoricamente, a entrada num templo e o mergulho do herói pelas mandíbulas da baleia são aventuras idênticas; as duas denotam, em linguagem figurada, o ato de concentração e de renovação da vida”(28).

“Jonas no ventre da baleia é a morte iniciática. A saída de Jonas é a ressurreição, o novo nascimento, tal como mostra de modo particularmente explicito, a tradição islâmica.”(29). De fato, é assim que Jesus interpreta a passagem de Jonas: como figura da ressurreição. Os primeiros cristãos fizeram o mesmo: na arte catacumbal, Jonas e a baleia aparecem 57 vezes – clara alusão à ressurreição(30).
Fig. 05 - Imagem de Jonas sendo jogado ao mar.
Catacumba de São Pedro e São Marcelino, Roma, Itália, (séc. IV ?)

“Com efeito, nun, a vigésima nona letra do alfabeto árabe, também significa peixe e, em especial, a baleia. Essa a razão pela qual o profeta Jonas, Seyidna Yunus, é chamado de Dhun-Nun. Na cabala, a idéia de novo nascimento, no sentido espiritual, está ligada a essa letra nun. O próprio formato da letra, em árabe (a saber, a parte inferior de uma circunferência, um arco, encimado por um ponto que lhe indica o centro), simboliza a arca. Essa semicircunferência representa igualmente uma taça o que pode, sob certos aspectos, significar o útero”(31). Mais uma vez Campbell: “a idéia de que a passagem do limiar mágico é uma passagem para uma esfera de renascimento é simbolizada na imagem mundial do útero, ou ventre da baleia. O herói, em lugar de conquistar ou aplacar a força do limiar é jogado no desconhecido, dando a impressão de que morreu"(32).

Quando considerada na “na qualidade de elemento passivo da transmutação espiritual, a baleia representa em certo sentido cada individualidade na medida em que contém o germe da imortalidade em seu centro, representado simbolicamente junto ao coração (...) O desenvolvimento do germe espiritual implica que o ser emerja de seu estado individuado e do meio ambiente cósmico ao qual pertence, assim como o retorno de Jonas à vida coincide com sua saída do ventre da baleia”(33) – leia adiante sobre o complexo de Édipo (tópico 5). Na opinião de Luiz Nazário, “A baleia que engole Jonas, Gepetto e o Barão de Münchhausen é um monstro mole por excelência: talvez pelo efeito da enormidade, aliada à contingência da longa existência aquática, toda sua maldade reside no exterior. Monstro da aparência, que impressiona pelo tamanho, ela não demonstra ferocidade nem digere o que abocanham abrigando em seu ventre seres que aí vivem durante anos, à luz de velas, esperando a redenção. Em Adventures of the Baron Munchausen, de Terry Gilliam, o ventre do monstro marinho transforma-se numa espécie de limbo, onde se depositam os restos do último naufrágio (...) a baleia enquanto monstro simbólico é quase inofensiva, reagindo apenas quando provocada, como a Moby Dick de John Huston”(34).

“A Polinésia, a África negra, a Lapônia introduzem a baleia em mitos iniciáticos análogos ao de Jonas. A passagem pelo ventre do monstro (marinho, com freqüência) é às vezes considerada expressamente como uma descida aos infernos”(35). É exatamente assim que Jonas se expressa em sua oração: “no perigo gritei ao Senhor e ele me atendeu, do ventre do abismo” (Jn, 2,3 – BP); “desci até as raízes dos montes” (Jn 2,7). Na opinião de Herculano Alves: “o mar é um autêntico “sepulcro” mas o peixe faz que esse sepulcro não seja definitivo, a última morada de Jonas. Efectivamente, quando Jonas entrou no primeiro seio que o acolheu − o barco − o mar abriu a boca devoradora, ameaçando engolir todo o barco (onde Jonas se encontra refugiado), com a carga e os marinheiros. Para Jonas, o peixe-mar da morte tornou-se lugar de nova vida. Porque, na sua oração, Jonas, o herói, tornou-se um homem novo, renascido num ventre materno, ao mesmo tempo, do mar e do peixe. Aí, ele renasce e reconhece o Senhor. No ventre materno do peixe aprende a verdadeira ciência da Palavra de Deus” (36).

“Finalmente, símbolo do continente e, conforme seu conteúdo, símbolo do tesouro escondido ou às vezes também da desgraça ameaçadora, a baleia contém sempre em si a polivalência do desconhecido e do interior invisível é o centro de todos os opostos que podem vir a existir. Por essa razão, também já se comparou sua massa ovóide à conjunção dos dois arcos de círculo que simbolizam o mundo do alto e o mundo de baixo – o céu e a terra”(37).

5) Argumentos da psicologia e da psicanálise.

Dentro da psicologia, pensemos na questão do medo: Israel não era um povo acostumado ao mar, vivia em terra firme. Por isso, a água profunda simboliza para eles a morte e seu mistério, os peixes e as criaturas marinhas são animais misteriosos, sobretudo porque conhecem as forças obscuras que se escondem nas profundidades das águas. Por esse motivo, o peixe (a baleia e os monstros marinhos) freqüentemente são associados à morte e a todos os perigos aquáticos que ameaçam o homem. A imaginação popular, que se perpetuou em histórias e mitos antigos, foi muito fértil neste campo. Nos mitos antigos, um peixe gigante transporta a terra sobre o seu dorso; ou seja, o mar imenso é que segura a terra e como que a transporta sobre o seu dorso. Assim, as forças do Mal, simbolizadas no mar profundo, são, por sua vez, simbolizadas por um peixe gigante, um poderoso animal marinho que luta contra o deus das alturas. O peixe tornou-se, assim, freqüentemente, símbolo das forças personificadas da Morte e do Inferno. Restos deste mito aparecem na linguagem da Bíblia. Assim, Gn 1,2 diz, referindo-se a esse mito antigo: “A terra era informe (theom) e vazia”. “Theom” é um termo ligado à mitologia dos povos da Babilónia, que significava precisamente o mar profundo. Assim, no mito de criação de Babilónia, thiamat (donde deriva, possivelmente, o termo theom), a deusa do mar, com forma de enorme peixe, lutou contra o deus do céu, Marduc (Sl 93,3-4). Segundo o mito, este terrível peixe-animal foi, no entanto, derrotado e cortado em pedaços. Outros nomes deste peixe mítico, ainda presente na Bíblia são Leviatan (Jb 3,8) e Raab (Jb 9,13; 26,12; Is 51,9-10) (38). Dessa forma, Jonas e a baleia representariam um mito arquétipo dos medos inconscientes que o povo tinha do mar.

Na psicanálise, Jonas e a baleia representariam o regresso a uma forma anterior e mais primitiva de existência, exagerada de modo tal a ponto de ir até a vida pré-natal no útero, simbolizada pelo ventre da baleia. A morte do herói simboliza seu fracasso, significa a falta de maturidade, sua rebeldia em fazer o que é certo, ou executar a missão que lhe é designada. Mas sua “morte” não é uma morte real, tem um propósito: a transformação – voltar a vida como um novo homem. Histórias como Chapeuzinho Vermelho (dos irmãos Grimm), Pinóquio (de Carlo Collodi) e a do profeta Jonas abordam a mesma temática: a busca de soluções para enfrentar os conflitos edipianos de nossa existência(39). Diz Luiz-Olyntho Telles da Silva: “o que há de comum entre Jonas e Pinóquio é que ambos recebem o direito à vida pelo reconhecimento a um pai”(40), note que é exatamente após a oração de ação de graças, que Jonas é expelido do grande peixe: renasce mais amadurecido e põe-se a evangelizar Nínive. Mas, logo regressa ao seu estado edipiano: age feito criança egoísta que quer o Pai só para si – o profeta o ama sinceramente, mas também O hostiliza (Jn 4,1-4). Mas, esse Deus que é paterno e materno ao mesmo tempo, que protegeu seu filho no ventre da Baleia, é também aquele que quer introduzi-lo a uma nova cultura.

6) Argumentos da Teologia.

O grande problema com essa enxurrada de interpretações é que não consideram a teologia bíblica do autor.

A atitude fundamentalista quer a todo custo provar a exatidão de cada palavra que existe na Bíblia. A revelação divina se identifica totalmente com a palavra escrita, assim, para eles, qualquer erro ou incoerências seria o mesmo que afirmar que Deus se enganou. Mas, na sua ânsia de provar a veracidade dos fatos, acabam por ser tão racionalista quanto aqueles que eles combatem. Deus é maior que a Escritura e, ao inspirar os autores bíblicos a escrever, o faz respeitando seu nível de conhecimento e cultura. Além do mais, na Bíblia existem erros de caráter acidental, mas não erros de cunho intencional.

Uma abordagem baseada na história das religiões e dos mitos de forma alguma anula a veracidade da mensagem de Jonas: mostra apenas que o autor e seus leitores conheciam tais histórias. A diferença é que, na Bíblia, elas são reinterpretadas baseando-se na fé monoteísta: a tempestade e a baleia não são divindades, nem representam a personificação das forças do mal – visto que tudo que Deus criou é bom – mostram, apenas, que o Deus de Israel tem domínio sobre a criação. Acrescentemos também que Jonas não é herói mitológico, cheio de virtudes e altruísmo, como Hércules, Jasão, Perseu e tantos outros, ele é retratado como extremamente humano: preguiçoso, rebelde a mensagem divina, preconceituoso, rabugento etc. Mas, Deus, mesmo conhecendo suas falhas, não desiste dele e o convoca a anunciar sua mensagem aos ninivitas.

Não se pode também fixar-se demasiadamente nas variáveis lingüísticas, pois as diferentes traduções da Escritura, visam, sobretudo, a adaptação da mensagem ao seu público-alvo. Se foi um grande peixe, uma baleia ou um monstro marinho, não é o essencial.

Uma interpretação excessivamente semiótica pode negligenciar o fato de que a Bíblia, de alguma forma, é baseada na realidade concreta, em experiências vividas, e não meramente um conjunto de símbolos escondidos que só podem ser compreendido por certos “iniciados”.

Já as abordagens de cunho psicológico, embora sejam de grande valia para atualizar a mensagem para o homem moderno e abrir novos sentidos ao texto, muitas vezes correm o risco de fazer do autor bíblico um Freud da Antigüidade. Não nos esqueçamos que a Bíblia é fruto de seu tempo e cultura. Mais um detalhe: é difícil perceber essa evolução e maturidade entre o Jonas do capítulo primeiro e o Jonas do capítulo quarto.

Impressionante como dois simples versículos despertaram tanta discussão. O fato é que eles não podem ser lidos isoladamente: fazem parte de uma obra maior e seguem a teologia do autor de Jonas.

Sugiro o seguinte caminho: dentro da lógica da teologia da retribuição, vigente na época em que o Livro foi escrito, aquele que não fizesse a vontade de Deus deveria ser castigado. Jonas foi rebelde ao chamado de Deus. Os adeptos dessa concepção concordariam que ele deveria ser punido. Então o autor parece seguir inicialmente essa direção: faz com que Deus lance a tempestade contra o barco (Jn 1,4). Jonas, representante da teologia predominante, pensa que está sendo castigado, arrepende-se e acha que deve ser “sacrificado” ao mar (Jn 1,11), pois está sendo amaldiçoado por Deus e está longe do Templo, onde poderia fazer sacrifício de reparação. Mas, Deus não quer sacrifícios e envia um peixe para salvar-lhe da morte e evitar que se afogue (a idéia de acrescentar o ser marinho à narrativa, provavelmente, se baseou no conhecimento do autor e de seus leitores sobre as lendas de marinheiros e na concepção de que o mar tem seus mistérios). O animal é instrumento de misericórdia que reconduz Jonas ao caminho. Aí está o elemento crítico da narrativa: o pecador Jonas, ao invés de ser punido – como pregava a teologia da retribuição – foi convertido, redirecionado, reconduzido e, poderíamos dizer, perdoado por Deus. O episódio de Jonas e o grande peixe, nada mais é que a mensagem de Deus dizendo: não importa o que você fez, Deus ainda te quer.

NOTAS:
  1. VVAA. O mundo da Bíblia. São Paulo: Ed. Paulinas, 1985 (2ª Ed.) p. 448. Temos aqui uma concepção distorcida de milagre (leia sobre a definição de milagre): ora, se é um fenômeno que pode ser reproduzido de forma natural, não devemos recorrer a explicações sobrenaturais – como já ensinava o papa Bento XIV no séc. XVIII.
  2. Citado por vários sites, p. ex.,http://www.fortalezaredes.com.br/documents/biblia/Antigo/Intrjona.htm (acesso: 15/09/10)
  3. Extraído do site: http://en.wikipedia.org/wiki/Jonah (em inglês)
  4. Extraído do site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tubar%C3%A3o-elefante
  5. Dentre os sites que apóiam essa idéia está http://divulgandopalavra.blogspot.com/2009/08/o-peixe-que-engoliu-jonas.html (acesso: 16/09/10). "Jacques Cousteau, o maior oceanógrafo de nossos tempos, falecido em julho de 1997, afirmou que nenhuma baleia possui a garganta tão grande, capaz de engolir um ser humano; que somente uma garoupa gigante seria capaz disso". Extraído do site: http://www.paulosnetos.net/attachments/054_Jonas_e_a_baleia.pdf"A garoupa-gigante (Epinephelus lanceolatus) é um peixe de grande porte pertencentes à família Serranidae (67 géneros e cerca de 400 espécies) e à subfamília Epinephelinae (15 géneros em 159 espécies). Neste grupo, o género Epinephelus compreende 97 espécies em que a garoupa-gigante alcança mais de 500 kg de peso e 2 metros de comprimento, havendo no entanto relatos de conceituados mergulhadores profissionais que, durante as suas incursões ao mundo subaquático australiano, admitem que esta espécie pode atingir até 800 kg e cerca de 3 metros de comprimento nestes mares. Estes peixes habitam preferencialmente em fundos rochosos entre os 3 e os 200 metros de profundidade, embora possam, ocasionalmente, ser encontrados até 300 metros. Todavia, os adultos são mais comuns entre os 10 e os 150 metros". Extraído do site:http://pt.wikipedia.org/wiki/Garoupa-gigante.
  6. A Criptozoologia é a (pseudo)ciência que estuda a possível existência de animais desconhecidos.
  7. Defendem essa hipótese sites como: http://en.wikipedia.org/wiki/Jonah (em inglês)
  8. É a opinião exposta no site: http://criacionista.sites.uol.com.br/dinossauros.htm Segundo outro site, “Ao longo dos séculos XIX e XX, houve mais de 1.200 observações de supostas serpentes marinhas”: http://pt.fantasia.wikia.com/wiki/Serpentes_marinhas
  9. Cientistas estimam que, provavelmente, menos de um terço das espécies de peixe são conhecidas. Até fevereiro de 2010, o número de espécies de peixes marinhos conhecidas pela ciência era de 16.764, e está crescendo em torno de 100 um ano. Extraído do site:http://en.wikipedia.org/wiki/Jonah (em inglês)
  10. Citado por http://pastorsergiocunha.blogspot.com/2008/07/jonas-foi-de-fato-engolido-por-um-peixe.html (acesso: 16/09/10)
  11. Extraído do site: http://www.jamesknox.com/languages/pdf/spanish_jonah.pdf (em espanhol)
  12. Extraído do site: http://divulgandopalavra.blogspot.com/2009/08/o-peixe-que-engoliu-jonas.html
  13. Ibidem.
  14. Citado por Charles Berlitz em “O livro dos fenômenos estranhos”, trecho reproduzido pelo site: http://www.sobrenatural.org/materia/detalhar/8036/engolido_por_uma_baleia/(acesso: 16/09/10)
  15. Citado por: KILPP, Nelson. Jonas. São Paulo: Editora Vozes, 2008 p. 69.
  16. Ibidem.
  17. HARRINGTON, Wilfrid. Chave para a Bíblia. São Paulo: Paulus, 1985 (4ª ed.) p.389.
  18. Citado pelo site: Extraído do site:http://www.jamesknox.com/languages/pdf/spanish_jonah.pdf (em espanhol)
  19. Extraído do site: http://en.wikipedia.org/wiki/Jonah (em inglês)
  20. Idem.
  21. KILPP, Nelson. Jonas. São Paulo: Editora Vozes, 2008 p. 65.
  22. CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento, 2007 (11a Ed.) p. 91.
  23. A história literária desse conto, começa com Perrault, mas, segundo Bruno Bettelheim, quando ele a colocou no papel, em 1697, “Chapeuzinho Vermelho” já tinha uma longa história, cheia de elementos antigos. BETTELHEIM, Bruno. Psicanálise dos contos de fadas. São Paulo: Paz e Terra, 2007 (21ª Ed.) p. 235 (nota )
  24. Idem, p. 92.
  25. Ibidem.
  26. Para mais detalhes leia o texto do site:http://www.findarticles.com/p/articles/mi_m0411/is_n3_v44/ai_17422984 (em inglês)
  27. CHAVALIER, Jean &GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: Domingos Olympio Editora, 2005 (19ª Ed.) p.116 (verbete: baleia).
  28. CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento, 2007 (11a Ed.) p. 93.
  29. CHAVALIER, Jean &GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: Domingos Olympio Editora, 2005 (19ª Ed.) p.116 (verbete: baleia).
  30. KILPP, Nelson. Jonas. São Paulo: Editora Vozes, 2008 p. 68.
  31. CHAVALIER, Jean &GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: Domingos Olympio Editora, 2005 (19ª Ed.) p.116 (verbete: baleia).
  32. CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento, 2007 (11a Ed.) p. 91. Há opiniões que preferem acreditar na morte de Jonas, p. ex.,http://www.jamesknox.com/languages/pdf/spanish_jonah.pdf (em espanhol), a fim de adequar a morte verdadeira de Cristo e a morte verdadeira de Jonas. Mas em outras histórias com a mesma temática, p. ex., em Chapeuzinho Vermelho a morte é aparente: a menina salta da barriga do lobo, logo após o caçador abrir-lhe o ventre; também em Pinóquio, vemos Gepeto vivendo por grande período de tempo no interior da baleia; em outros mitos, o herói, literalmente, rompe a barriga do animal. Pode ter sido também essa a idéia do redator final de Jonas, ao colocar a oração logo após o devoramento.
  33. CHAVALIER, Jean &GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: Domingos Olympio Editora, 2005 (19ª Ed.) p.116 (verbete: baleia).
  34. NAZÁRIO, Luiz. Da natureza dos monstros. São Paulo: Arte & CIência, 1998 p.19
  35. CHAVALIER, Jean &GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: Domingos Olympio Editora, 2005 (19ª Ed.) p.117 (verbete: baleia).
  36. ALVES, Herculano - Símbolos na Bíblia. Fátima: Difusora Bíblica, 2001. Disponível em:http://www.capuchinhos.org/siteantigo/porciuncula/simbolos/peixe.htm
  37. CHAVALIER, Jean &GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: Domingos Olympio Editora, 2005 (19ª Ed.) p.117 (verbete: baleia).
  38. ALVES, Herculano - Símbolos na Bíblia. Fátima: Difusora Bíblica, 2001. Disponível em:http://www.capuchinhos.org/siteantigo/porciuncula/simbolos/peixe.htm
  39. O complexo de Édipo é um conceito fundamental para a psicanálise, caracteriza-se por sentimentos contraditórios de amor e hostilidade. A idéia central do conceito de complexo de Édipo inicia-se na ilusão de que o bebê tem de possuir proteção e amor total, reforçado pelos cuidados intensivos que o recém nascido recebe por sua condição frágil. Esta proteção é relacionada, de maneira mais significativa, à figura materna. Em torno dos três anos, a criança começa a entrar em contato com algumas situações em que sofre interdições, facilmente exemplificadas pelas proibições que começam a acontecer nesta idade. O complexo de Édipo é muito importante porque caracteriza a diferenciação do sujeito em relação aos pais. A criança começa a perceber que os pais pertencem a uma realidade cultural e que não podem se dedicar somente a ela porque possuem outros compromissos. A figura do pai representa a inserção da criança na cultura, é a ordem cultural. Estes sentimentos são contraditórios porque a criança também ama esta figura que hostiliza. A diferenciação do sujeito é permeada pela identificação da criança com um dos pais. Na identificação positiva, o menino identifica-se com o pai e a menina com a mãe. O menino tem o desejo de ser forte como o pai e ao mesmo tempo tem “ódio” pelo ciúme da mãe. A menina é hostil à mãe porque ela possui o pai e ao mesmo tempo quer se parecer com ela para competir e tem medo de perder o amor da mãe, que foi sempre tão acolhedora. Na identificação negativa, o medo de perder aquele a quem hostilizamos faz com que a identificação aconteça com a figura de sexo oposto e isto pode gerar comportamentos homossexuais. Com o aparecimento do complexo de Édipo, a criança sai do reinado dos impulsos e dos instintos e passa para um plano mais racional. A pessoa que não consegue fazer a passagem da ilusão de super proteção para a cultura se psicotiza. Adaptado do site:http://pt.wikipedia.org/wiki/Complexo_de_%C3%89dipo
  40. SILVA, Luiz-Olyntho Telles da. Freud/Lacan - o desvelamento do Sujeito. Porto Alegre: Editora Age, 1999 p.68. “Ao longo de todo ‘Chapeusinho Vermelho’ nenhum pai é mensionado, o que é bastante incomum para um conto de fadas desse tipo. Isso sugere que o pai está presente, mas de forma velada”. BETTELHEIM, Bruno. Psicanálise dos contos de fadas. São Paulo: Paz e Terra, 2007 (21ª Ed.) p. 246.

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