Foto: AP
Naama Margolese, 8 anos, na casa de sua família na cidade de Beit Shemesh, Israel
O mais recente campo de batalha na luta de Israel contra o extremismo religioso cobre pouco mais de um quilômetro quadrado da cidade judia de Beit Shemesh, situada entre Jerusalém e Tel Aviv, e tem como rosto uma menina loira e de óculos que frequenta a segunda série.
Seu nome é Naama Margolese, 8 anos, e ela é filha de imigrantes americanos que são judeus ortodoxos modernos. Um programa de televisão local contou a história de Naama no fim de semana, revelando seu medo de caminhar para a escola elementar local depois que homens ultraortodoxos cuspiram nela e a insultaram, chamando-a de prostituta porque seu vestido não segue exatamente aos seus rigorosos códigos de vestimenta.
O país ficou indignado. A fotografia de Naama foi veiculada nas primeiras páginas de todos os principais jornais israelenses. Enquanto o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu insistiu no domingo que "Israel é um Estado democrático, ocidental e liberal" e prometeu que "a esfera pública de Israel está aberta e segura para todos", tem havido confrontos em alguns locais do país.
Homens e meninos ultraortodoxos, uma das seitas judaicas mais rigorosas, já jogaram pedras e ovos contra a polícia e os jornalistas, aos gritos de "nazistas" contra as forças de segurança e atacaram repórteres do sexo feminino com palavras como "shikse", um termo depreciativo iídiche para uma mulher ou menina não-judia, e "prostituta". Judeus de variados graus de ortodoxia e laicidade seguiram para Beit Shemesh na noite de terça-feira para juntar-se aos moradores locais em um protesto contra o fanatismo religioso e a violência.
Para muitos israelenses, não se trata de uma briga para que uma menina possa andar até a escola. Essa é uma luta que pode influenciar o caráter e a alma do país, contra ultraortodoxos fanáticos que têm cada vez mais invadido a esfera pública com a sua interpretação estrita das regras, impondo a segregação de gênero e a exclusão das mulheres.
A batalha tem se tornado cada vez mais visível nas últimas semanas e meses. Soldados ortodoxos abandonaram uma cerimônia na qual soldadas cantavam, aderindo ao que eles consideram ser uma proibição religiosa contra ouvir a voz de uma mulher; mulheres, por sua vez, têm desafiado a disposição de assentos em ônibus "kosher" que operam em bairros ultra-ortodoxos e algumas estradas intermunicipais, onde passageiros do sexo feminino devem se sentar na parte de trás.
A coerção virulenta em Beit Shemesh foi atribuída principalmente a um grupo de extremistas ultraortodoxos que vieram de Jerusalém, também conhecido como Sicarii, ou homens adaga, em homenagem a uma facção violenta de judeus que tentou expulsar os romanos de Jerusalém em 70 a.C.
Extremismo religioso não é algo novo para Israel, mas os Sicarii tem agido com uma ferocidade e um vigor que ainda não foram totalmente explicados. Certamente, a política de coalizão de Israel têm permitido que os partidos ultraortodoxos exerçam poder desproporcional em relação a cerca de 10% da população que representam
O rápido crescimento da comunidade ultraortodoxa - graças a taxas de natalidade extraordinariamente altas - pode também ter encorajado seu núcleo, bem como sua convivência em bairros insulares. Além disso, sua liderança parece não ter freios moderadores.
Em qualquer caso, os extremistas geraram enorme oposição de todos aqueles que são mais flexíveis, sejam eles ultraortodoxos, ortodoxos modernos, tradicionais ou seculares. Na verdade, foi um grupo ultraortodoxo que tornou pública a história de Naama.
"Estamos trabalhando para salvar nossa cidade e para salvar as nossas casas", disse Dov Lipman, 40 anos, um ativista e rabino local, ultraortodoxo moderno, que se mudou para Beit Shemesh de Silver Spring, Maryland, sete anos atrás. Aproveitando o clima contrário ao bullying dos ultraortodoxos, Lipman e um grupo de apoiadores têm feito lobby no Parlamento israelense, organizado protestos e trabalhando com um consultor de mídia. Ele disse que foi assim que a história de Naama chegou à imprensa.
Construída perto das ruínas da antiga cidade de mesmo nome que foi mencionada na Bíblia, Beit Shemesh foi fundada em 1950, atraindo inicialmente imigrantes pobres do norte da África e, em seguida, imigrantes da Rússia, Etiópia e de países de língua francesa. Com a construção dos bairros de Ramat Beit Shemesh A e B na década de 1990, a população ultra-ortodoxa cresceu. Os moradores dizem que 20 mil unidades habitacionais em fase de planejamento serão destinadas aos ultraortodoxos.
Em Ramat Beit Shemesh B, placas nas paredes dos edifícios pedem modéstia, exortando as mulheres e meninas a vestir-se com roupas de mangas compridas e saias longas. No muro de uma sinagoga, um cartaz solicita que as mulheres atravessem para a calçada oposta e não se demorem diante do edifício.
A escola Orot, frequentada por Naama, foi inaugurada em setembro em uma área com uma grande comunidade de judeus de língua inglesa e faz fronteira com os mais rigorosos bairros ultraortodoxos. Rapidamente, ela descobriu que teria de enfrentar agressões até chegar à escola, mesmo vestida de mangas compridas e saias longas.
Motins eclodiram na segunda-feira quando a polícia acompanhou equipes jornalísticas na Rua Hazon Ish, área onde ficam os algozes de Naama. Centenas de homens e meninos vestidos de preto saíram da sinagoga e de um seminário adjacente segurando cartazes escritos à mão pedindo a exclusão das mulheres, ilustrados com os símbolos masculino e feminino usados em banheiros públicos. Um policial foi ferido depois de ser atingido na cabeça com uma pedra, e várias detenções foram feitas antes da multidão se dispersar ao anoitecer.
Muitos dos agitadores ultraortodoxos culparam a mídia pela confusão, dizendo que os jornalistas foram aos bairros ultraortodoxos para semear ódio e perseguir os moradores por suas crenças religiosas.
Enquanto isso, alguns moradores insistiam que Beit Shemesh é uma cidade tolerante, mas defenderam ao menos algum tipo de separação e modéstia por motivos religiosos.
"Acho que as mulheres são muito mal tratadas na sociedade ocidental", disse Cindy Feder, 57 anos, moradora de Ramat Beit Shemesh A, que veio de Nova York para Israel em 1970, e que se define como uma "haredi" aberta, termo hebraico para ultraortodoxos. Ela disse que a objetificação das mulheres em outdoors a deixava doente.
No mais austero Ramat Beit Shemesh B, uma mãe de 32 anos de idade defendeu a separação entre homens e mulheres no transporte público, dizendo que ela é necessária para preservar a honra das mulheres em ônibus lotados que espremem as mulheres como "purê de tomate."
Mas uma mulher que informou apenas seu primeiro nome, Rivka, por medo da desaprovação de seus vizinhos, também contou uma história que revela o custo da separação: em uma noite, os extremistas removeram todos os bancos públicos do bairro, para que assim as mulheres não pudessem se sentar na rua com suas crianças.
Por Isabel Kershner
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